Não
sei se neste espaço já falei de gente que tem alguma esquisitice. Devo ter
falado, mas a capacidade que as pessoas têm de criar pequenas manias para se
acomodar à realidade com mais conforto é sempre surpreendente.Todo mundo sabe de
algum caso, uns raspando a normalidade, outros resvalando pela loucura. Um
disfarçado como jogo, outro trazendo escondido o incontrolável.
Tenho
um amigo muito culto, insaciável comprador de livros, de músicas e de filmes.
Bom leitor, não dispensa dicionários, de diversas especialidades, completos,
nunca resumidos. Contradição: odeia dicionários pesados, volumosos, difíceis de
manusear. Aí entra uma das suas esquisitices:é freguês de um encadernador a quem
encarrega de dividir seus grossos volumes em quatro ou cinco volumes, leves,
fáceis de consultar, encadernados com as características do original.
Uma
prima da minha mulher tem mania de limpeza. Seria ótimo, se não fosse exagero.
Lava a casa inteira todo dia, a roupa de cama todo dia, não se aguenta de
cansada. Entre uma queixa e outra, lava as mãos várias vezes. É maluca? Um
pouco. Por trás do seu comportamento exagerado, percebe-se uma revolta impotente
contra a sujeira do mundo, uma compensação por não poder fazer nada.
Outro
caso. Um homem que só conheço de banca de supermercado me confessava enquanto
escolhia rabanetes:
—
Odeio rabanetes!
—
Como? Então vive com alguém que adora. Tá sempre comprando.
—
Não, compro para mim mesmo! Cara, eu como de tudo, e gosto, como com prazer.
Como ostra, escargot, cogumelos, jiló, quiabo, jacaré, buchada de bode,
dobradinha, sarapatel, rã, tanajura, frango de hospital, fígado, miolos, mocotó,
chouriço de sangue, raiz forte...O que vier eu traço bem, adoro. Tenho um
enguiço é com rabanete. Compro e como um ou outro com raiva, para ver se venço a
ojeriza. Cara, não dá! Esse gosto de terra ardida não me vai. É um vegetal com
bafo, tá entendendo?
Tem
um cara que está piorando aos poucos. É viciado em palavras cruzadas e há algum
tempo começou a brincar usando na conversa conceitos das cruzadas. Foi levando a
brincadeira como conversa espirituosa, um jogo de adivinhação, e aos poucos
começou a confundir as coisas. Em vez de “pegar um sol”, ele podia dizer:
—
Vou pegar um astro-rei com três letras.
Parecia
falar por enigmas quando dizia “o lábaro, com oito letras; do time onde brilhou
Pelé, com seis letras; terceira pessoa do presente do indicativo do verbo ter,
com três letras; artigo definido feminino plural, com duas letras; plural de
cor, com cinco letras; preposição mais artigo, com duas letras; clube do Parque
São Jorge, com onze letras” — tudo isso para dizer: a bandeirado Santos tem as
cores do Corinthians. Coitado, hoje evitam falar com ele.
A
melhor e insuperável história de esquisitices é a do homem do bairro de Perdizes
que fala sozinho na rua, em voz alta, e tinha vergonha disso. Uma coisa
incontrolável, numa pessoa de classe média, de roupas convencionais, camisa de
colarinho, calças com cinto na altura do umbigo, sapatos de couro. Pois ele, de
tanto observar gente falando ao celular na rua, teve um lance de gênio: comprou
um aparelho, mesmo sem chip de linha, e anda com ele no ouvido esbravejando
pelas ruas, parques e aeroportos, como se falasse com alguém, imerso no seu
solilóquio, agora sem constrangimento, confiante, como um de nós.
http://vejasp.abril.com.br 25.jan.2013
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por Ivan Angelo
25.jan.2013
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