MAURÍCIO MEIRELES O menino Machado de Assis corria atrás de borboletas azuis, saltava serelepe pelos riachos, colhia flores para dá-las de presente a Maria Leopoldina, sua mãe –e dormia sossegado, sendo beijado por ela. O sossego, porém, acabou em 1849, com a morte da mãe, quando o escritor tinha nove anos. Foi quando Machado diz ter descoberto "os enganos do mundo, os pesares da vida". Agora um documento importante sobre o assunto é acrescentado à bibliografia machadiana: um pesquisador acaba de descobrir uma crônica inédita em que o escritor comenta seu sofrimento com a perda de Maria Leopoldina. A descoberta, feita por Felipe Rissato, pesquisador independente, será divulgada na próxima edição da "Revista Brasileira", editada pela ABL (Academia Brasileira de Letras). Trata-se um texto anônimo, publicado na segunda edição da "Revista Luso-Brasileira" em 1860, intitulado "Lembranças de Minha Mãe". "OH! EU SOU INFELIZ" Então como dá para ter certeza de que o texto é mesmo do Bruxo do Cosme Velho? "Cruzei as referências", afirma Felipe Rissato. Embora não haja nenhum texto assinado por ele, Machado aparece no expediente da "Revista Luso-Brasileira". E, além de já ter escrito poemas sobre a perda da mãe, quatro meses antes o autor publicou uma peça no jornal "A Marmota" –em que falava ter perdido a mãe aos nove anos, o que bate com a informação da crônica. Além disso, Machado de Assis emprega expressões semelhantes nos dois textos. Texto inédito em que o escritor Machado de Assis chora a morte da mãe
Texto inédito em que o escritor Machado de Assis chora a morte da mãe
Continuação da crônica
"Muitos [na revista] podem ter ficado órfãos, mas com a data exata, com nove anos, é uma coincidência muito grande", afirma Felipe Rissato.
É uma crônica grandiloquente, sofrida. Machado escreve "Oh! eu sou infeliz, muito infeliz..." Em outro trecho, compara a si mesmo com um pássaro sem o ninho. Depois, ele continua: "A sociedade egoísta e corrupta fez-me descrer de todas as felicidades, de todo o amor sincero e verdadeiro, de toda a virtude; porque já tinha perdido o único ente que me amava com amor sincero". O Bruxo do Cosme Velho, vale dizer, já havia perdido a irmã, que morreu em 1845, com quatro anos. Em outro trecho, diz Felipe Rissato, Machado faz o que parece uma alusão a Maria Inês da Silva, sua madrasta: "Eu sem ti, sem o perfume da flor que me fazia feliz e crente, chorarei sempre sem consolação; porque uma mãe perde-se uma vez e nunca mais se encontra". A crônica não foi a única descoberta feita recentemente pelo pesquisador. A próxima edição da "Livro" (Ateliê Editorial), revista do Nele (Núcleo de Estudos do Livro e da Edição), da USP, também traz quatro poemas perdidos e uma crítica literária do autor. O primeiro poema é "Beijos" –do qual até hoje só se conhecia uma estrofe, divulgada nas conferências do crítico literário Alfredo Pujol, realizadas entre 1915 e 1917 e depois reunidas em livro. Uma das biografias mais famosas de Machado de Assis, a de Lúcia Miguel Pereira, também só cita parcialmente a poesia. O texto completo está na "Marmota Fluminense", em 1857: "O que eu quisera ser,/Para que eu fosse ditoso,/ Fartasse o meu coração;/ Quisera passar no gozo/ A vida "" como o sultão,/ E me faltasse o repouso/ No prazer de Salomão", escreve Machado. Outro dos poemas, perdido durante 158 anos, foi publicado pelo escritor no jornal "A Pátria" quando tinha 19 anos. Sem título, o texto fala da arte: "Vem! penetra no templo das artes!/ Vem! que as portas te vamos abrir!/ Vem! que a glória te hasteia estandartes,/ E te enlaça os lauréis do porvir!".
Poema inédito de Machado de Assis encontrado pelo
pesquisador Felipe Rissato
Já as outras duas descobertas, de 1875 e 1876, são poesias com tom bíblico, ambos publicados no "Almanach Brazileiro Illustrado". O primeiro chama-se "Cáritas": "Cristão,/ Tu és como Moisés no monte da oração./ Quando, os olhos no céu, alevantando os braços,/ Sobes a alma fervente através dos espaços." Já o outro é uma paráfrase dos capítulos 38 e 39 do "Livro de Jó". "E falando o Senhor a Jó, no meio/ De um redomoinho, disse: – Quem é este?/ Que mistura sentenças com palavras/ Vazias de sentido?/ Cinge os teus lombos, homem; cinge e fala." O último texto, em prosa, é uma resenha elogiosa do livro "Jerusalém", do monsenhor Pinto de Campos (1819-1887) –sobre quem os biógrafos costumam lembrar um embate com Machado, sobre a liberdade de pensamento e a separação entre igreja e Estado. A resenha, de 1874, parece indicar uma relação mais amistosa entre os dois. "Excelente no método, não menos o é este livro na gravidade e vigor do estilo, na pureza e boa feição da linguagem." Para Felipe Rissato, as revelações –e outras dos últimos anos– mostram como Machado de Assis ainda é um território a ser explorado. O autor, afinal, escreveu durante 54 anos, de 1854 a 1908, sobretudo na imprensa. Embora textos tenham sido compilados, outros perderam-se no caminho.
Leia trechos da crônica "Eu era pequeno, era feliz; porque não conhecia os enganos do mundo (...); inocente corria por entre campinas, colhia flores e ia derramá-las sobre minha mãe (...)" "Oh! Eu sou infeliz, muito infeliz...Aos 9 anos perdi minha mãe, fiquei só no mundo; só como a rola sem ninho! Entrei no mundo das desilusões e dos enganos (...)" "(...) E haverá quem não chore uma mãe? Quem não sinta um vácuo no coração quando uma lágrima se desliza sobre o túmulo de uma mãe?" "Como eu sofro!... Minha mãe, lá da mansão dos justos, lança a benção sobre teu filho, pede a Deus pela felicidade do padecente. Eu sem ti (...) chorarei sem consolação." In:http://www1.folha.uol.com.br
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O menino Machado de Assis corria atrás de borboletas azuis, saltava serelepe pelos riachos, colhia flores para dá-las de presente a Maria Leopoldina, sua mãe –e dormia sossegado, sendo beijado por ela.
O sossego, porém, acabou em 1849, com a morte da mãe, quando o escritor tinha nove anos. Foi quando Machado diz ter descoberto "os enganos do mundo, os pesares da vida".
Agora um documento importante sobre o assunto é acrescentado à bibliografia machadiana: um pesquisador acaba de descobrir uma crônica inédita em que o escritor comenta seu sofrimento com a perda de Maria Leopoldina.
A descoberta, feita por Felipe Rissato, pesquisador independente, será divulgada na próxima edição da "Revista Brasileira", editada pela ABL (Academia Brasileira de Letras). Trata-se um texto anônimo, publicado na segunda edição da "Revista Luso-Brasileira" em 1860, intitulado "Lembranças de Minha Mãe".
"OH! EU SOU INFELIZ"
Então como dá para ter certeza de que o texto é mesmo do Bruxo do Cosme Velho? "Cruzei as referências", afirma Felipe Rissato.
Embora não haja nenhum texto assinado por ele, Machado aparece no expediente da "Revista Luso-Brasileira". E, além de já ter escrito poemas sobre a perda da mãe, quatro meses antes o autor publicou uma peça no jornal "A Marmota" –em que falava ter perdido a mãe aos nove anos, o que bate com a informação da crônica.
Além disso, Machado de Assis emprega expressões semelhantes nos dois textos.
Texto inédito em que o escritor Machado de Assis chora a morte da mãe
Depois, ele continua: "A sociedade egoísta e corrupta fez-me descrer de todas as felicidades, de todo o amor sincero e verdadeiro, de toda a virtude; porque já tinha perdido o único ente que me amava com amor sincero".
O Bruxo do Cosme Velho, vale dizer, já havia perdido a irmã, que morreu em 1845, com quatro anos.
Em outro trecho, diz Felipe Rissato, Machado faz o que parece uma alusão a Maria Inês da Silva, sua madrasta: "Eu sem ti, sem o perfume da flor que me fazia feliz e crente, chorarei sempre sem consolação; porque uma mãe perde-se uma vez e nunca mais se encontra".
A crônica não foi a única descoberta feita recentemente pelo pesquisador. A próxima edição da "Livro" (Ateliê Editorial), revista do Nele (Núcleo de Estudos do Livro e da Edição), da USP, também traz quatro poemas perdidos e uma crítica literária do autor.
O primeiro poema é "Beijos" –do qual até hoje só se conhecia uma estrofe, divulgada nas conferências do crítico literário Alfredo Pujol, realizadas entre 1915 e 1917 e depois reunidas em livro. Uma das biografias mais famosas de Machado de Assis, a de Lúcia Miguel Pereira, também só cita parcialmente a poesia.
O texto completo está na "Marmota Fluminense", em 1857: "O que eu quisera ser,/Para que eu fosse ditoso,/ Fartasse o meu coração;/ Quisera passar no gozo/ A vida "" como o sultão,/ E me faltasse o repouso/ No prazer de Salomão", escreve Machado.
Outro dos poemas, perdido durante 158 anos, foi publicado pelo escritor no jornal "A Pátria" quando tinha 19 anos. Sem título, o texto fala da arte: "Vem! penetra no templo das artes!/ Vem! que as portas te vamos abrir!/ Vem! que a glória te hasteia estandartes,/ E te enlaça os lauréis do porvir!".
Já o outro é uma paráfrase dos capítulos 38 e 39 do "Livro de Jó". "E falando o Senhor a Jó, no meio/ De um redomoinho, disse: – Quem é este?/ Que mistura sentenças com palavras/ Vazias de sentido?/ Cinge os teus lombos, homem; cinge e fala."
O último texto, em prosa, é uma resenha elogiosa do livro "Jerusalém", do monsenhor Pinto de Campos (1819-1887) –sobre quem os biógrafos costumam lembrar um embate com Machado, sobre a liberdade de pensamento e a separação entre igreja e Estado.
A resenha, de 1874, parece indicar uma relação mais amistosa entre os dois. "Excelente no método, não menos o é este livro na gravidade e vigor do estilo, na pureza e boa feição da linguagem."
Para Felipe Rissato, as revelações –e outras dos últimos anos– mostram como Machado de Assis ainda é um território a ser explorado. O autor, afinal, escreveu durante 54 anos, de 1854 a 1908, sobretudo na imprensa. Embora textos tenham sido compilados, outros perderam-se no caminho.
Leia trechos da crônica
"Eu era pequeno, era feliz; porque não conhecia os enganos do mundo (...); inocente corria por entre campinas, colhia flores e ia derramá-las sobre minha mãe (...)"
"Oh! Eu sou infeliz, muito infeliz...Aos 9 anos perdi minha mãe, fiquei só no mundo; só como a rola sem ninho! Entrei no mundo das desilusões e dos enganos (...)"
"(...) E haverá quem não chore uma mãe? Quem não sinta um vácuo no coração quando uma lágrima se desliza sobre o túmulo de uma mãe?"
"Como eu sofro!... Minha mãe, lá da mansão dos justos, lança a benção sobre teu filho, pede a Deus pela felicidade do padecente. Eu sem ti (...) chorarei sem consolação."
In:http://www1.folha.uol.com.br
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